24/08/2020

O amor no tempo da delicadeza

Fico pensando com meus velcros e cordões, por que sempre é tão difícil encontrar o amor no tempo da delicadeza. É tal de procurar, ao longo da vida, nos sonhos de paixão avassaladora, aquela que libera os instintos, afogueia a alma, incendeia o corpo e sepulta qualquer forma de pensar.

Será o amor dependente dos hormônios? Da pele inflamada? Dos pelos arrepiados? Ou será que se esconde dos menos atentos e dos medrosos da entrega...

Tive várias pistas de sua presença, desde pequenina. Às vezes se escondia na penumbra, quando a avó puxava a coberta acima dos meus ombros e saía pé ante pé do quarto. Noutras aparecia de supetão no bolo pulman delicadamente disfarçado de bolo de aniversário.

Veio com o primeiro namorado da adolescência, todo respeitoso porque muito mais velho e junto com ele, a frustração daquele sonho afogueado. Também chegou com calma em presentes fora de datas, ramos de margaridas sobre a colcha. Mas estava disfarçado e não percebi.

Busquei nos bares, nas festas, nas viagens. Nas paixões que tisnaram algumas cicatrizes rasas, ardi e gelei, para arder de novo. Subi às nuvens e cai o tanto necessário para tomar impulso e seguir. Seria ele?

Em andanças da vida nos encontramos em amizades cultivadas por anos, ou guardadas sem muito trato, mas que, como as orquídeas, renascem e florescem sua beleza de tempos em tempos. Em carinhos camuflados nos pequenos gestos.

Tentei, ah! Como tentei dar-lhe um rosto, cobri-lo com um corpo que aparasse e amparasse o meu na lida, na queda, na cama. Moldei em fumaça, vesti com retalhos juntados em desenhos toscos, soprei de vida seus orifícios, disfarcei imperfeições com cera de fazer quimeras.

Adivinho, agora, o tempo da delicadeza e me ponho a colher amores perfeitos, imperfeitos, mais-que-perfeitos, até gerúndios. O que importa é conjugar antes da oração final.

 

 

 

 

 

 

08/08/2020

Infância

Era tão pequeno

o meu ninho.

e tão grande

o regaço.

 

Era tão miúdo

o meu olho

e tão ávida

a gula.

 

Era tão escasso

o meu tempo

e tão largo

o abraço.

 

Era tão lento

o meu crescer

e tão gostoso

o tecer.

 

Era.