Inocente

Enquanto dorme
o sono dos inocentes
balanço as pedras no copo
na esperança de apagar
o fogo inclemente
que me toma o corpo
Tua febre terçã
passou quarta,
passou quinta,
mas não viu domingo chegar.

cuidado

Sorriso roubado,
gole em seco,
o pouco cuidado
acaba num copo
de vinho vermelho
e o bafo quente
do chuveiro.

Nave

Ah , meu amigo
não te dou o perdão
que não pedes.
Não te alivio o dolo
ainda que venhas
te abrigar no meu colo.
O meu prazer,
já sabes, anda distante
do teu querer.
Sou nave solta no ar
e onde quer que vá
ah, vou navegar.

Era uma noite sem lua
céu de bruxas e zumbis
de pensamento assombrado
cansado voo sem rumo.

Era uma noite sem lua
sem chamego, sem ternura
não havia vivente
no caminho de avistar.

Era uma noite sem lua
nem uma só estrela
para dedo apontar. 

Era uma noite sem lua
mulher de peito vazio
de costas para o mar.

Secou

Não sou parte
não sou par
não sou
Não deixo nódoas
Não deixo nós
Não deixo
Não fico à margem
Não fico no mar
Não fico
Secou semente
secou.

leveza

Não queira cuidar de mim
sou fio que não se enrosca
cadeira sem espaldar
deixe que eu peça colo
quando quiser descansar
tenho corpo pesado
alma leve de voar

segredos

Imagine só
que conversa
trocamos
andorinha azul
Na varanda.
Tagarela
conta segredos
da noite.
Me deixa
com água no bico.

carona

Vou pegar
carona nesse
raio de lua.
Sei que lá
a noite é quente.

Faz de conta

Hoje quero brincar
fazer de conta
ou cantar
sozinha, com você,
tanto faz.
A festa é minha,
só cabe
quem tem
e sabe dar.

O silêncio

Por baixo da porta
um bebê chorão,
chinelo arrastando,
chocalho de chaves.
Da fresta da janela
um vizinho tosse,
motor roncando,
avião bem longe.
Bem aqui,
o rom-rom
da geladeira,
o pingo da torneira,
um celular com tremedeira.
E ainda dizem que vivo só.

tempo

Houve um tempo
em que a noite me sorria
atravessava horas
sem querer alcançar o dia.
Houve um tempo

nostalgia

Fim de festa.
Restou um par de sapatos
largados no tapete
fazendo-se companhia.
Tacanha nostalgia.

às vezes

Às vezes quero
ser de novo criança
ter uma luz acesa
o café na mesa
a mão na cabeça.
Às vezes quero
uma flor de rua
a voz que insinua
uma sombra nua.
Às vezes quero
uma rima esdrúxula
clara, sem mácula,
para rimar alegria.

De que adiantam
palavras
se o co(r)po fala mais alto
na virada da lua
sob o céu no serão?

Equação

Sou o múltiplo
das meninas que vivem em mim
Sou a equação
dos que chegam e eu digo sim.

Cansaço

Cansada de velar
seu desapego
devagar
ela se apagou.

mesma

Se a lua não me trouxer
aquele sonho bom
Vou dormir assim mesma
moça de bom tom.

Canto

Não vou cantar tristeza
que tanto te incomoda
Nem vou falar de risos
que não é boa hora
Deixo tema a tua escolha
desde que me preencha.

Quero uma noite azul
pode ter uns tons de rosa
quem sabe uma sombra amarela
Só não pode ser de cinzas.