Saudade

Saudade é poeira no canto

todo recanto da casa

Não há vassoura, nem soleira

que a leve, tão pesada.

Boa de acariciar,

doída de arrepiar

gelo a dançar no copo vazio

todo vazio do corpo

Não há sono, nem sonhar

que a faça descansar

no ombro da almofada,

no colo da amada.

Cantar

Só sei cantar afinado

com o coração ocupado

ou doendo de desocupação,

o sangue bulindo as veias,

ou arrepiando a direção.

Só sei cantar afinado

quando abrigo um segredo

ou desenho fantasias,

a boca borrando vermelho

ou pobre de ousadia.

Só sei cantar afinado

com o coração ocupado.(11/13)

Cadê o arco-íris?

Ela acorda cinza,
boceja cansada
e ranzinza no
azul da madrugada.
Desperta amarela
Com medo de abrasar
no vermelho que pela
e faz amorenar.
Desbota com o dia
laranja, rosa, lilás
nua, que ousadia
sem luz se desfaz.
Cadê o arco-íris?
procura nos arredores
alguém para rabiscar
sonho bom de sonhar.

...de sabão

Ergo quimeras
mesmo na noite fria
onde habitam feras
crias da solidão.
Mas não me peça que faça

travas, cimento e massa
Prefiro tapar as frestas
com bolinhas de sabão.

Ou não

Um amigo me disse
"o meu sonho é viver em paz, ou não".
Penso.
Se gosto da indulgência
da negligência do sonhar
sou mais da irreverência,
amante da emergência
do copo transbordar.
Não vá se achegando
com meias medidas
rimas contidas
sentimentos a vagar.
Sem clemência.
Meio cheio, meio vazio
se desfaz no ar
Vivo por inteiro
seja meu dia derradeiro,
ou não.

Fantasia

Tentei por em versos
O que você não disse
Faltaram as palavras.
Guardei tudo num vaso
Que lhe entrego
Para ornar a janela.
É, aquela que se abre
para o passado
com gosto de novo
na fantasia virtual.
A poesia fica
para a próxima.

Batom

Distraída
olhava a lua
enquanto
lentamente
acendia a boca
de batom
Virou-se e partiu.
Meu coração
desbotou.
 (hospedando poema de outra pessoa)

Adivinhando (2)

Passarinho
da asa quebrada

bebe da minha  flor 

aninha no velho tronco 

um lamento 

quase pronto pra voar.

Adivinho a brisa

em seu lugar.

Tocar

Você quer que toque

só para você

tocar, sentir vibrar

suas cordas vocais

alcançando o céu.

Da boca

tirar notas de coral

pérolas falsas

feridas d’areia.

De sal

tocar, sentir arder

seus dentes no dorso

emprestado, de aluguel.

Da boca

sangrar tinta de jornal.

perto, longe

Eu te quero bem perto,
mas longe o tanto preciso
para me fazer falta.

António J. de Oliveira (resposta aos versos de Beth nesta desgarrada deliciosa):

o breve esboçar de um sorriso
que de tão longe vem, não sei ao certo
mas sinto-o tão perto como o mar de alguém
apenas gaivota rondando a bruma fresca em maré-alta…
como verso escrito em espuma branca
rasgo infinito que não pertence a ninguém…