Lembro agora: tempos atrás, no quintal lá da casa do avô, caiu uma maritaca linda, barulhenta que só, mas de asas cortadas.
Foi posta numa gaiola confortável, a salvo das dezenas de gatos que
habitavam os telhados. Era arisca; da enorme família só aceitava
carinhos do meu avô e deitava a cabecinha quando eu lhe coçava acima do
bico.
Asas crescendo, eu a levava para a sala, fechava portas e
janelas e abria a portilhonha, para os ensaios de vôo malajambrado. Um
dia alcançou o lustre de cristal da avó e fui percebendo que estava
ficando próximo o dia. Mas, ainda não era hora. A bichinha
(ou seria bichinho?) precisava da paciência que me faltava tanto quanto a
ela as asas.
Mas eu consegui, quem diria, ensiná-la a voar e ela se
foi. Até hoje não sei se fiquei mais triste pela falta da companhia ou
feliz pela liberdade alcançada. Por que lembro disso? Sei lá, talvez esteja eu também reaprendendo a voar.
Hoje guardo cacos de muitos tamanhos, cores, formas. Uns são brilhantes, vermelhos, amarelos; outros soturnos; há verdes, os azuis... Alguns sem cor, outros transparentes. Todos soltos num caleidoscópio gigante que gira e gira estrelas, labirintos, formas sem sentido. (23/06/08)